A saída do Reino Unido da União Europeia pode mostrar como tomamos nossas decisões?
Esta semana, em um referendo histórico, a população do Reino Unido decidiu pela sua saída da União Europeia. Não foi uma vitória fácil, menos de 4% de diferença para aqueles que defendiam a permanência no bloco.
Mas afinal, quais as motivações que levaram os britânicos a tal decisão?
A BBC apontou 8 razões que podem explicar a saída, entre elas a economia, a saúde, a imigração e a influência de políticos que se engajaram nas campanhas. Mas quero ir além e apresentar um outro viés para analisar o movimento pela saída do Reino Unido, também chamado Brexit: a influência dos princípios e das contingências no posicionamento dos indivíduos perante a uma questão tão complexa.
Princípios são visões de mundo profundas, geralmente baseadas em valores universais que orientam o Estado, as leis e as condutas individuais. Dos princípios derivam todos os demais julgamentos e ações do indivíduo.
Já as contingências dizem respeito ao caráter das coisas que ocorrem de maneira eventual, circunstancial, e que podem simplesmente ocorrer ou não.
Os princípios estão no plano das ideias; as contingências, no plano dos fatos.
No caso do referendo britânico, podemos estabelecer as opções dadas aos eleitores da seguinte forma:
Segundo os princípios: a permanência na UE significa a concretização do sonho do pós-guerra de uma Europa unida, com valores partilhados, igualdade entre os cidadãos de todo o continente, a força pela união, pelo que é comum em contraponto ao que distingue cada uma das nações. Por outro lado, ainda por princípios, podemos enxergar a saída como um resgate à tradição inglesa, ao caráter nacional, a distinção e preservação do que lhes é único. Note que a diferença entre as visões aqui é clara,os princípios são imutáveis, escolhe-se um lado seguindo uma visão de mundo. Ou é uma coisa ou outra.
Sob a ótica das contingências: permanecer na UE significa partilhar das facilidades e vantagens de pertencer a um bloco econômico forte, ter livre trânsito por todo o continente Em contrapartida, os defensores do Brexit argumentam que a permanência também pode implicar em sofrer com crises causadas por outros integrantes do bloco, ver seus empregos tomados por estrangeiros e seu sistema de saúde em colapso por conta dos compromissos financeiros que a presença na UE exige. Nesse caso, as alternativas se fundem em possibilidades, não é certo que uma coisa leve a outra, as visões estão no plano das hipóteses e das circunstâncias.
Parece lógico que, ao decidir sobre uma questão tão importante, as pessoas se fiem em seus princípios, mas não foi isso o que aconteceu no referendo tampouco em outras ocasiões onde escolhas complexas foram postas à mesa.
As classes mais pobres do Reino Unido, principalmente no interior, votaram em massa a favor da saída, influenciadas mais pelas contingências que pelos princípios. A classe trabalhadora tem sofrido de forma brutal as consequências da crise econômica e das medidas de austeridade da UE.
E aqui quero levantar alguns questionamentos: até que ponto nossos princípios resistem às contingências que ameaçam nos atingir (ou mesmo aquelas que nos atingem)?
Quanto mais vulnerável a pessoa aos fatores externos, mais as contingências vão pesar no seu julgamento e nas suas ações, a ponto de sobrepujar seus próprios princípios. O desemprego, a fome, a insegurança se impõem com força descomunal sobre os valores e até sobre a ética, dependendo do caso.
Perceba que as contingências querem dizer mais sobre as possibilidades do que a situação em si, por isso as campanhas de propaganda exploram o medo de um futuro incerto (Se permanecermos na UE, seremos inundados por imigrantes que roubarão nossos empregos. Se sairmos, perderemos acordos comerciais vantajosos e a crise aumentará…) Parece que os argumentos contingenciais do Brexit foram mais convincentes.
Extrapolando o exemplo do Reino Unido, podemos encontrar essa dualidade Princípios vs Contingências em muitos outros casos, e até em nosso dia a dia.
O referendo sobre a comercialização de armas no Brasil foi pautado por discursos que exploravam as contingências de uma sociedade abalada pela violência. De um lado, a visão que as armas eram a causa da insegurança. De outro, a ideia que as armas eram nossa única opção de defesa. A questão do princípios foi pouco ou nada explorada. Afinal, queremos ser uma sociedade armada ou não? Acreditamos que as armas são benéficas? Esses temas quase não foram abordados.
Para se agir segundo os princípios é preciso coragem e determinação. No caso da UE, seria resistir às crises encontrando soluções que acomodem diversos interesses. No caso do desarmamento, seria enfrentar a violência sem armas, uma luta que só seria ganha a médio e longo prazos. É justamente nesse ponto que as contingências falam alto às pessoas que se enxergam vulneráveis. A questão é de curto prazo: meu vizinho perdeu o emprego, meu primo foi assaltado…o próximo pode ser eu.
Trazendo a reflexão para nossa vida cotidiana, a opção de seguir uma alimentação mais saudável, com alimentos orgânicos pode ser vista como um princípio. Mas até que ponto ele se sustenta perante a crise econômica, com custos mais altos num ambiente de insegurança no trabalho?
Como vemos, não se pode apontar o dedo para quem age pelas contingências, principalmente em um ambiente polarizado onde a manipulação política e da mídia atuam como catalizadores desses medos.
Por outro lado, agir seguindo os princípios não representa necessariamente uma atitude mais elevada. Muitos votaram pela saída do Reino Unido baseados em suas convicções de que a cultura britânica é superior às outras da Europa, com discursos xenofóbicos que extrapolam quaisquer contingências.
Minha intenção ao levantar esse tema é que, como comunicadores, gestores de marcas, empresários e cidadãos atuantes, devemos ter consciência dos motivos que levam as pessoas a fazer certas escolhas. E também seria muito bacana se pudéssemos, em futuras discussões, separar os discursos que se guiam por princípios daqueles que exploram as contingências. É fundamental pensar as contingências sem juízos de valores, a partir da empatia, para depois incluir os princípios na pauta, com toda importância que eles merecem. A sociedade inteira se beneficiaria dessa distinção.
Para pensar:
O que a distinção entre princípios e contingências pode influenciar o discurso de uma marca?
Como a discussão política e econômica pode se beneficiar se aplicarmos essa distinção?
Qual o papel da ética para equilibrar nossas ações entre princípios e contingências?
A gestão de uma empresa deve se pautar por princípios? E se as contingências forem negativas, o que fazer?
Você está sempre consciente de seus princípios quando toma decisões? Até que ponto as contingências te influenciam?